"Ei! Eu sou apenas o seu simpático vizinho, Skylar - queer, transgênero, artista, graduado, que adora montanhas e um bom café; e eu pensava que era moreno até minha barba me mostrar que eu era loiro um dia desses..."
Assim começa a apresentação de Skylar Kergil em seu site. Cantor, compositor, poeta, ativista da cena LGBT, que documenta no Youtube sua transição de gênero desde 2009. De Massachusetts, agora residente em Boston, Skylar é nosso primeiro homem trans entrevistado. De personalidade adorável, ele nos conta um pouco de sua história e opiniões.
CDOROCK - Como você começou a tocar e escrever música?
SKYLAR - A música entrou na minha vida quando era bem jovem, principalmente com meu pai dedilhando os mesmos quatro acordes no violão e lembrando de quando tocava em bandas de covers num passado distante. Eu rodeava aquele violão aos 11 ou 12 anos, até que o empunhei e não larguei mais. A poesia sempre foi uma força enorme em minha vida, e aprender a tocar música ajudou a me comunicar por meio de palavras de um jeito que eu nunca tinha feito antes.
CDOROCK - Você lançou um novo EP recentemente - Tell Me A Story. É o seu segundo álbum. Qual a diferença dele para o primeiro, Thank You?
SKYLAR - Uma das maiores diferenças é a maturidade dele. Thank You foi escrito ao longo de muitos anos, é uma espécie de combinação de muitas canções, variando trabalhos da época do colégio até os tempos de faculdade. Tell Me A Story foi escrito mais intencionalmente, durante um período mais curto - acho que foi uma explosão de criatividade em vez de seis anos dela. Tell Me A Story reúne alguns dos meus melhores amigos, cuja musicalidade e inspiração ajudou o EP a amadurecer para além do seu esqueleto.
CDOROCK - O estilo acústico é só uma preferência ou lhe ajuda a transmitir suas mensagens de alguma maneira?
SKYLAR - Eu prefiro tocar acústico principalmente pela capacidade de viajar com as canções. Também prefiro que minha música seja mais acessível e não precise de tecnologia ou eletricidade para existir - há algo de libertador e necessário nisso para mim.
CDOROCK - Você gostaria de explorar outros estilos no futuro?
SKYLAR - Certamente. Eu tenho curtido escrever canções de outros estilos como um desafio para mim e começo a adorar a maneira como esses elementos se fundem! Há também uma parte de mim que anseia por criar batidas. Eu só não pareço ter sorte com isso ;)
CDOROCK - Você tem influências para tocar e compor?
SKYLAR - É claro! Uma das minhas maiores influências é Elliot Smith, de quem as letras são também autobiográficas e seu estilo também permanece "lo-fi" muitas vezes. Por outro lado, Jack Johnson me inspira nos dias mais felizes.
CDOROCK - Quão autobiográficas são suas letras e poemas?
SKYLAR - Muito - Eu nunca percebi o quão bruta minha poesia era até que reli algumas coisas que escrevi alguns anos atrás. Minha escrita é simplesmente uma extensão de mim. Eu tento não pensar muito nisso para não ficar todo tímido com a vulnerabilidade disso tudo.
CDOROCK - Na música, nós não temos muitas referências de artistas queers, homossexuais ou transexuais. Mas você tem algum ídolo que ache que tenha contribuído com a visibilidade dos direitos da comunidade LGBT? Algum cantor ou banda que gostaria de citar?
SKYLAR - Eu realmente amo Lucas Silveira da The Cliks, uma banda canadense. Sua transição foi fantástica de ver e ele falou muito abertamente sobre isso e seu papel no ativismo. Mary Lambert é uma artista gay que eu também gosto muito, especialmente porque ela fala das intersecções queers, outras identidades, e música.
CDOROCK - Hoje em dia, há muitas pessoas transgênero contando suas experiências e se expondo na internet. Você, por exemplo, tem um canal no Youtube. Como essas iniciativas contribuem para ajudar outras pessoas social e politicamente?
SKYLAR - Compartilhando minha história, eu me encontrei numa comunidade, enquanto antes eu me sentia muito isolado na escola. A internet permite as pessoas transgênero a se conectarem, se sentirem empoderadas e dividir recursos. Para os aliados ou aqueles interessados em aprender mais sobre a comunidade, a vasta gama de narrativas pessoais permite uma perspectiva mais diversa do que significa ser trans - honestamente, é diferente para cada pessoa! Eu espero que essas histórias na web representem a maioria.
CDOROCK - Você vê uma possível sexualização dos homens trans atualmente na mídia? O que pensa sobre isso?
SKYLAR - Não estou tão certo como eu gostaria de que os homens trans estão desfrutando tão confortavelmente dessa visibilidade da mídia pelo modo como estão sendo retratados. No entanto, tenho notado definitivamente uma ideia de que "Trans é legal, trans é tendência!" e me preocupa que as pessoas trans possam passar da invisibilidade total nos meios de comunicação para a visibilidade reduzida a apenas um aspecto da sua humanidade - a de ser trans, e a obsessão com o corpo trans. Gosto de ver narrativas de experiências pessoais, como as de memórias ou os vlogs do Youtube, porque eu sinto que, dentro dessas mídias, as pessoas trans podem controlar a forma como sua história é contada, o que é crucial.
CDOROCK - Você percebe diferenças no modo como homens e mulheres trans lidam publicamente com sua condição e como eles são politicamente engajados?
SKYLAR - Seria difícil para eu responder a isso, já que tenho vivido apenas a minha experiência, mas eu acho que as mulheres trans que conheço experimentam os perigos de viver abertamente como "transgêneros" tanto quanto meus amigos homens trans. É impossível ignorar as taxas de violência contra mulheres trans. Isso me comove diariamente. Há uma urgência em nossas sociedades para aceitar mulheres, aceitar mulheres trans, e tratá-las com o respeito e dignidade que merecem.
CDOROCK - Para algumas pessoas "cis", a sexualidade não parece ser um grande problema, ou mesmo os rótulos sobre isso. Para algumas pessoas trans é diferente? Digo: a transexualidade, para além da questão do gênero, torna a sexualidade uma questão mais complexa?
SKYLAR - Eu não acredito que isso seja necessariamente verdade. Ser transgênero impactou minha orientação sexual apenas porque uma lésbica é uma mulher que gosta de mulheres - e eu não me identifico como uma mulher, mas o resto da sociedade sim... Então eu era lésbica? Eu quase não penso sobre isso - conhecer minha identidade foi mais importante do que colocar um rótulo nela.
CDOROCK - Pessoas trans ainda sofrem preconceito da comunidade gay e lésbica cisgênero?
SKYLAR - Com certeza! Isso pode acontecer de várias maneiras, seja pela exclusão nos espaços LGB ou sendo verbalmente assediado por outras pessoas LGB. Sinto admitir que a maioria dos meus agressores eram de dentro da comunidade LGB. Geralmente isso toma forma com comentários do tipo "Você sabe que você é apenas uma lésbica como nós - a gente sabe que você vai voltar atrás em sua transição e perceber o seu erro, você não engana ninguém" - isso entre as mulheres. Ou, por outro lado, por parte dos homens gays eu ouço "Você nunca será um homem, ninguém nunca vai querer você com seu corpo desfigurado". Pessoas são pessoas, elas terão preconceitos, independentemente se elas também são oprimidas ou de um grupo minoritário. Eu também tenho sido verbalmente agredido por outras pessoas transexuais; geralmente elas decidem se sou ou não "trans" o suficiente, sejá lá o que isso signifique. Eu opto por continuar sendo eu mesmo, se eu não quero que os outros me julguem, não vou julgá-los.
CDOROCK - Em um dos seus vídeos, você conta das dificuldades da sua transição sexual. Que conselhos você daria para as pessoas que vão começar com essa transição?
SKYLAR - Seja você mesmo. Pode ser uma longa jornada para descobrir suas muitas identidades, mas saiba que todos nós estamos ainda aprendendo. O melhor que você pode fazer é o melhor que você pode fazer - se você apenas está se questionando, ou se assumindo para os outros, ou escolhendo começar sua transição física, saiba que você só pode controlar suas próprias ações e reações, mas não as dos outros. Pode ser assustador, caramba, eu tenho tido muito medo durante minha vida, mas cada etapa dessa viagem valeu a pena. Eu me sinto completo, feliz e verdadeiro.
Fotos: Julia Luckett / Skylar Kergil / FTM Magazine |