"White trash get down on your knees
Time for cake and sodomy"
De tempos em tempos, surge a necessidade do grotesco. A vontade de uma transformação, seja sonora, visual ou de sentimentos e valores. Houve um instante nos anos 1990 em que os jovens buscavam não apenas por rock, mas por algo que os representasse na fúria e na diversidade da contracultura. Neste instante surgiu Marilyn Manson.
Porque havia algum tempo em que não aparecia um ídolo “alternativo” na grande mídia. Não alternativo apenas no estilo musical, mas nas ideias, na aparência, alguém que fosse rosto e voz de uma geração que nascia e carecia de um ídolo como só os punks, os góticos e outros tipos à margem do óbvio tiveram. Alguém contemporâneo a essa geração. Alguém... queer.
Pouco menos de três meses depois da morte de Kurt Cobain, apareceu no mercado “Portrait of American Family”, de um homem cujo nome, em sua visão, simbolizava o “último e mais perturbante dualismo da cultura norte-americana”. Produzido por Trent Reznor, o álbum e a banda trouxeram à grande cena o rock industrial, que Reznor já alastrava pelo mundo.
Com seu alcance comercial, Manson, se pode considerar, despertou muitos valores adormecidos. O Nirvana disparava como banda alternativa aos Guns and Roses do momento, mas ainda não dizia tudo. Madonna era o grande nome gay, mas pop demais. Era preciso um homem com a coragem da androginia, com canções de títulos como “Cake and Sodomy”, vestindo roupas femininas e acessórios sadomasoquistas, fazendo um som barulhento, distorcido, buscando o inaudível e o impronunciável, flertando com os limites da ética, da estética e da liberdade, um homem cadavérico a levantar a bandeira da blasfêmia e das sexualidades plurais, assim como a rainha do pop, mas com o peso da “música séria” e de fato incômoda, era preciso esse homem para afetar a tranquilidade e o conformismo que se espreitava. Porque o rock estava manso e hétero demais.
Os três primeiros álbuns representam bem esse momento e a persona Marilyn Manson. “Portrait of an american family” (1994), “Smells like children” (1995) e “Antichrist Superstar” (1996) foram modernos e clássicos ao mesmo tempo. Jogaram luz a um outro tipo de rock, justo no momento de luto do grunge, trouxeram o frescor da cena eletrônica, que só se fortaleceu, a ousadia punk, o sempre bem-vindo peso do metal e a cultura queer (e não gay) de saudosos Bowie e Iggy Pop. O álbum seguinte, “Mechanical Animals” (1998), também vale a pena ser mencionado, embora nesse momento Manson já comece a apelar à estética Glam (e gay) e a se tornar uma caricatura.
Mesmo assim, com aos altos e baixos da carreira, mesmo que sua ousadia não seja mais novidade, Marilyn Manson faz falta quando você não consegue lembrar de ninguém como ele, depois dele, do tamanho dele. Fazem falta o ruído e o peso de seu som e a maldade de suas letras quando você procura, mas não acha o que mais pode lhe impulsionar a animalizar os instintos e intensificar a coragem.
Marilyn Manson faz falta toda vez que um comercial de margarina com alguma criança meiga e plasticamente ingênua é exibido, ou quando aparece alguma cantora vestida de carne fazendo uma dance music de quinta qualidade. Marilyn Manson faz muita falta sempre que um homem de vestido esvoaçante percorre as ruas acenando ao povo, fingindo ser seu salvador. Sempre quando um papa nos acena, que saudades sentimos do nosso eterno anticristo.
"The Beautiful People, The Beautiful People
It's all relative to the size of your steeple
You can't see the forest from the trees
And you can't smell your own shit on your knees"