Talvez este blog tenha chegado ao ápice de sua carreira queercore. Semanas atrás esteve em chão brasileiro aqueles que são considerados o principal nome do punk gay no mundo, Limp Wrist. Não são os pioneiros da cena, mas a banda é a que mais reúne as características que todos os roqueiros homossexuais procuram. Som agressivo, integrantes gays, letras explícitas, nada de ambiguidades e pudores. Limp Wrist é punk. Limp Wrist é gay. E, não, não é aquele punkzinho moderno, de "buáti", que as "colocada" dança se sentindo rebelde. O som é uma porrada no ouvido.
E Martin é o cara. Punk há décadas, nascido no Uruguai, vivendo em Chicago, conquistou o mundo com sua saudosa banda Los Crudos, grande nome da cena underground dos anos 1990. E hoje se destaca como um dos mais importantes roqueiros da história.
E esse cara bateu um papo com este humilde espaço. O Caralho nunca mais será o mesmo.
Agradecimentos especiais a todos que contribuíram para a realização desta matéria. Bruno Foca, Leco Vilela, Rodrigo de Araujo, Diego Volpi, e os Lagartos: Roberto e Luís. Muito obrigado ;)
CDOROCK - O Limp Wrist é uma enorme influência para os homossexuais envolvidos na cena punk/hardcore. Como é isso pra vocês?
MARTIN - O que posso dizer é que isso faz com que eu me sinta honrado, sabe? Porque é isso que nós fazemos, somos gays e somos punks, e temos sorte, acho, de que as pessoas tenham realmente prestado atenção em nós. Acho que não há muito que eu possa dizer sobre isso... É uma honra, é muito bom. Acho que as pessoas que gostam da banda podem responder melhor!
CDOROCK - Não é muita responsabilidade?
MARTIN - Faz parte. Já houve garotos que chegaram para mim dizendo coisas como “sua banda tem sido muito importante em minha vida”, “quando eu saí do armário, foram bandas como a sua que me deram coragem”, e isso é... impactante, isso é muito impactante. Então... me sinto honrado. Essas pessoas respeitam o que fazemos e eu respeito o que esses garotos fazem, assim como a qualquer pessoa.
CDOROCK - Por que a banda se chama “Limp Wrist”?
MARTIN - Porque é um nome que não esconde nada. É direto. Essa expressão [algo como “munheca mole”, em uma tradução livre] é muitas vezes usada para ridicularizar pessoas, mas nós a usamos como algo que nos fortalece. É uma expressão inegavelmente gay e nós gostamos disso.
CDOROCK - Foi difícil para você montar e manter uma banda queercore?
MARTIN - Não... Sabe, no mais das vezes, as pessoas apoiam bastante a banda. Nos Estados Unidos, mesmo pessoas que não são gays gostam realmente do Limp Wrist, nos apoiam e isso tem sido ótimo. Somos sortudos.
MARTIN - É todo mundo. Todo mundo. Nossos shows favoritos são quando temos todos os tipos de pessoas presentes. E já tivemos de tudo, de transsexuais a héteros, a gays, punks, metaleiros – todos no mesmo espaço, o que é melhor. Isso é diversão.
CDOROCK - Vocês vivem em partes diferentes dos Estados Unidos. Como fazem para se encontrar e fazer shows e tudo o mais?
MARTIN - O que acontece é que alguém nos convida, como nos convidaram a vir aqui, e então nos reunimos e praticamos por alguns dias. Fazemos alguns shows, partimos e seguimos fazendo mais alguns shows e eventos. O Limp Wrist não se reúne com muita frequência. É muito raro que toquemos juntos, mas, quando o fazemos, é divertido.
CDOROCK - Você acha que todo mundo que gosta do Limp Wrist se preocupa com os direitos dos homossexuais ou a maioria apenas curte o som da banda, sem tanta encanação com as letras das músicas?
MARTIN - Bom, eu não acho que ninguém venha nos ver somente pela música. Alguns garotos, algumas pessoas podem se preocupar se seriam ou não vistos em um show do Limp Wrist... Se têm medo disso, acho que acabam nem vindo! Então... acho que todos têm, sim, bastante consciência [da nossa mensagem] e assinam embaixo, gostam, apoiam.
CDOROCK - As cenas hardcore e straight edge são tão abertas quanto parecem, ou você ainda vê nelas preconceito?
MARTIN - Eu acho que as cenas com as quais temos tido contato são bastante abertas. Com certeza há pessoas que não gostam do que fazemos, mas nunca tivemos conflitos diretos com ninguém. Isso é uma coisa positiva. Tem sido bom. Acho que em qualquer cena haverá pessoas que são bastante abertas ao diferente e outras que não são.
CDOROCK - Nunca aconteceu algo de estranho?
MARTIN - Até agora, não tivemos nenhum problema! Repito: se uma pessoa realmente não gosta do que fazemos, provavelmente ele ou ela nem vai querer chegar muito perto de nós. Então... problemas, até agora, não aconteceram.
CDOROCK - Nunca aconteceu algo de estranho?
MARTIN - Até agora, não tivemos nenhum problema! Repito: se uma pessoa realmente não gosta do que fazemos, provavelmente ele ou ela nem vai querer chegar muito perto de nós. Então... problemas, até agora, não aconteceram.
CDOROCK - Você tem uma postura ativista desde o Los Crudos, uma banda que não era queer. Como foi, pra você, assumir uma postura anti-homofóbica naquela época e diante daquele público?
MARTIN - Quando eu me assumi pela primeira vez – melhor dizendo, quando eu estava no Los Crudos e comecei a me sentir mais confortável com a ideia de sair do armário, eu estava bastante assustado e meio nervoso. Eu me assumi gay em várias cidades, mas deixei Chicago, onde eu morava, por último. Nas outras cidades, eu sabia que poderia ir embora sem ter que lidar com as [reações das] pessoas, mas em Chicago... eu teria que permanecer lá e lidar com todo mundo.
Foi então que comecei a ter meus primeiros enfrentamentos com as pessoas. Tipo aquelas que me diziam “ah, eu gosto do Los Crudos, mas não gosto quando eles vêm com aquele papo sobre viados”. Esse foi o tipo de reação que algumas pessoas tiveram, no começo. Outras, porém, subiam no palco, me abraçavam, diziam que me amavam e tudo o mais... Então, eu tive esses enfrentamentos. Agora, tô pouco me fodendo. Tipo, eu sou quem eu sou. Acho que as pessoas têm essa falsa ideia de que, só porque alguém tem uma sexualidade diferente da sua, ou escolhas diferentes, elas acham que [os diferentes] vão querer influenciá-las, e não tem nada disso. Você faz suas coisas do seu jeito, o outro faz as coisas dele do jeito dele, eu faço minhas coisas do meu jeito. E mesmo no nosso próprio mundo [gay], há diferenças, então, se alguém tem problema com isso, que seja.
Eu me lembro de um cara que disse “eu gostava dos Los Crudos, mas não gosto mais porque o Martin é gay”. Na verdade, ele jamais gostou mesmo do Los Crudos, nunca nos entendeu. Um de nossos álbuns era “Canciones para Liberar Nuestras Fronteras”. Estávamos falando de fronteiras na mente, barreiras físicas, barreiras mentais. Se a pessoa não entendeu isso, não entendeu nada, percebe?
CDOROCK - Você acha que a discriminação que sofreu está relacionada ao estereótipo do chicano/latino, que tem a obrigação de ser “macho”?
MARTIN - Talvez, sim... Talvez haja um pouco disso. É algo que com certeza existe. Acho que é um trabalho a ser feito dentro dessa comunidade. Sabe, nós temos de tudo. Na cultura latina ou chicana [termo politicamente incorreto usado para descrever os mexicanos e descendentes, e por extensão demais latino-americanos, que vivem nos Estados Unidos], temos... somos de tudo um pouco. Há gays, héteros, tudo. [Desconstruir esses estereótipos] é parte do trabalho que o Limp Wrist tem a fazer, também, como banda.
CDOROCK -Como você percebe o espaço dado aos homossexuais na América governada por Barack Obama?
MARTIN - Tem havido uma pressão bastante grande contra os homossexuais. Obama tem seus próprios planos, e os gays que existem no cenário político mais amplo estão meio dispersos. Há uma grande pressão dos conservadores e religiosos contra o casamento gay e vários grupos extremistas que estão contra essa comunidade.
Por outro lado, há uma visibilidade gay e queer como nunca se viu antes. Eu sou professor num colégio. Há grupos gays nas escolas, [ajudando] os adolescentes. Quando eu estava no ginásio, nunca, jamais, de jeito nenhum isso existia, não que eu tenha ficado sabendo. Então, as coisas estão mudando, nos Estados Unidos. Você pode ir para outras cidades, outros estados, e eles têm grupos de apoio aos pais de homossexuais e grupos de apoio aos jovens homossexuais. Muita coisa tomou um rumo mais positivo, em geral, no movimento gay. Há muitos grupos de pais e amigos de homossexuais, paradas gay em todo tipo de cidade, até em cidades pequenas... Mas ainda há muito medo, também, porque, fora das cidades grandes, as coisas podem ficar um pouco complicadas.
CDOROCK - Você conhece alguma coisa do rock brasileiro?
MARTIN - Rock brasileiro? Tipo, punk brasileiro, ou rock? Eu adoro punk brasileiro! Não sei muita coisa do rock mainstream – o que eu gosto é do mundo punk. Eu tenho muitos, muitos álbuns do Brasil. Sempre fui um fã.
CDOROCK - De quais bandas?
MARTIN - Vejamos... Cólera, Ratos de Porão, Olho Seco, Inocentes, Psychic Possessor, Câmbio Negro, Grinders, Mercenárias... São tantas, tantas bandas brasileiras que eu adoro! Como eu disse, gosto de tudo o que faz parte do mundo punk.
CDOROCK - Você tem algum ídolo queer?
MARTIN - [Pausa] Ídolo Queer? Uma pessoa que me vem à mente é Sylvia Rivera. Ela foi uma transexual que participou dos tumultos em Nova York – os tumultos no Stonewall [bar em que ocorreram, em 1969, confrontos com a polícia, dando origem ao movimento gay americano]. Ela era porto-riquenha, e realmente tinha meu respeito.
Há muitas pessoas. Leslie Feinberg, autora lésbica que escreveu “Stone Butch Blues” [sem tradução no Brasil]. Gary Floyd, do The Dicks. Acho ele uma pessoa excelente. Adoro o que ele fez, assim como adoro o que muitos queer punks de gerações passadas fizeram.
Há também pessoas que não são exatamente famosas, que eu encontrei e achei realmente legais. Silvia Malagrino, [argentina, moradora] do Uruguai, por exemplo. Ela é uma ativista que fez vários trabalhos legais por lá. Eu a conheci, trocamos ideias por algum tempo e eu a achei realmente decente. Enfim, são muitas pessoas. Muitas.
CDOROCK - Quais bandas queercore você recomendaria, hoje?
MARTIN - Sabe, o fato é que não há muitas bandas completamente queercore, ou que se identifiquem como queercore. Pode ser que haja bandas com membros queer, e são tantas... Com relação a bandas novas, há uma chamada Livid, de San Francisco. Eles são muito bons. Há uma outra de San Francisco, um pouco mais pop – Brilliant Colors, é esse o nome deles. São bem legais e têm membros gays. Não consigo pensar em nenhuma outra, agora... Essas são as que mais me chamam a atenção. No momento.
CDOROCK - Nosso blog costuma falar dos caras mais bonitos do rock. Quem você considera bonito?
MARTIN - Na cena queercore? Em geral? O ruim é que há muitas bandas por aí que são tipo “bonitinhas” e “meigas” e isso não faz meu estilo... Eu gosto de caras estilo “classe operária”, sabe? [risos] Gosto dos tíos. Eu chamo de tíos, em espanhol, o que vocês chamariam de “tiozinhos”. [risos] Gosto de homens com bastante pelos... Não necessariamente ursos, mas... [aponta para o fotógrafo Leco Vilela] acho que ele é bonito. [risos] Ele é bem bonitão. Eu o vi mais cedo e pensei comigo, “uau, esse cara é bem gato”, sabe? É um tipo que eu vejo bastante por aqui, que me faz dizer “essa pessoa é realmente atraente”. E eu tenho visto vários caras interessantes no Brasil... Acho bom!
CDOROCK - Com quem você jamais transaria?
MARTIN - David Bowie. [risos] Eu acho ele ótimo, mas não sinto a menor atração. Ele é um músico e um artista fenomenal, mas eu jamais transaria com ele...
Fotos: Leco Vilela [1-13] e Celso Tavares [14-20] |
Fotos do show realizadas no Centro Cultural da Juventude (CCJ) em São Paulo. Entrevista e fotos da entrevista realizadas no DCE Curitiba, durante o evento Verdurada.